Santidade

florPor: Sebastião Catequista.

Introdução

“Santo, Santo, Santo é Iahweh dos Exércitos, a sua glória enche toda a terra” Is 6,3b

Do hebraico, Kadosh – santo.  As palavras derivadas ou que a essa realidade nos reporta são: santidade, santificar, consagração, purificação, declarar santo. Inclusive, santidade é um adjetivo de “santo” – qualidade de quem é ou está em santidade.

 Ser Santo é a essência da divindade em si mesma. Algo que lhe é peculiar. Logo, só Deus é Santo. É o totalmente “diferente”; o totalmente “distinto”; o totalmente “separado”.

Assim, há um abismo entre Deus e sua criação. Ele é, em si mesmo, enquanto a criação é sua obra distinta e criada por Ele. Ela é matéria potencialmente finita e criada por ele. É criatura criada e não criadora.

Por ser sua obra criada, Deus, em sua essência a santifica, a plenipotência de santidade; e nesse caso, podemos dizer que a criação é santa porque está impregnada da santidade de Deus. Porém, não obstante, essa santidade presente na criação pode ser perdida, diluída pela própria dinâmica da criação. Por isso, entendermos que só Deus a torna santa, lhe confere santidade.

A Santidade no Primeiro Testamento

“Agora, se ouvirdes a minha voz e guardardes a minha aliança, sereis para mim uma propriedade peculiar entre todos os povos, porque toda a terra é minha. Vós sereis para mim um reino de sacerdotes, uma nação santa.” Ex 19,5-6a.

O Primeiro Testamento nos dá uma noção bem precisa da santidade: ser santo ou está em estado de santidade é estar totalmente separado do profano e ligado a Deus. Essa conexão se caracteriza por uma vida reta, justa, moralmente elevada, espiritualmente intimo de Deus. Estar em santidade é também, o serviço consagrado e devoto ao Senhor, no meio do povo. Por exemplo, os profetas e sacerdotes no exercício do seu ministério.

Essa concepção da santidade cria um dualismo concomitante: o sagrado e o profano. A ideia do profano basicamente é estar dês-possuído do sagrado, daquela realidade cuja característica nos diz estarmos conectados a Deus, estar no seu habitat sagrado, algo numinoso. Desse modo, o profano, a princípio não seria pecado (enquanto condição de errar o alvo; em suma, se afastar de Deus), pois, evidencia uma característica das criaturas e da condição humana enquanto finita, ser limitado. Porém, a concepção do que seja profano, está muito fortemente ligada à idéia do pecado em detrimento da santidade; e nesse caso, ser profano ou estar em profanidade é ser ou estar contrário a santidade e conseqüentemente, do lado oposto a Deus. É essa ruptura vista de forma negativa que nesse contexto denomina-se pecado. Profanar o sagrado é quebrar a comunhão, a intimidade com Deus, é está fora do “espaço” sagrado de Deus ou que a ele reporta; e isso se caracteriza como sendo pecado.

O pecado mancha a santidade, mas não a muda em sua essência. Daí, por que se fazer todo um ritual cerimonioso para se purificar, voltar ao estado de santidade (cf. 2Mc 12, 38-45).

A cultura ocidental moderna herdou essa tradição cujas raízes foram cunhadas segundo a tradição judaico-cristã a partir da cultura grego-romana.

Baseado em antiguíssima tradição bíblica,  temos uma concepção da santidade como algo separado, afastado, estranho a realidade cotidiana das famílias, clãs e tribos. Em meio a povos idólatras, de cultura e costumes mais diversos, cuja excentricidade soava a Israel algo estranho, tanto quanto tentador, ser santo era manter-se separado, conquanto, também, era praticar rituais cultuais cujo objetivo era se manter em estado de purificação, de santidade. Nesse contexto, podemos fazer a leitura dos seguintes exemplos: o ritual dos nazireus (cf. Nm 6,1-8); as abluções do corpo e jejum da pratica sexual (cf.  Ex 19; Lv 18-19); rituais de purificação pelos sacerdotes antes do serviço junto a Tenda ou no Templo (cf. Lv 21-28); ou mesmo quando alguém era ungido para um serviço especial, como o de ser profeta (cf. 1Sm 1, 19-28; 2, 12-3,21; 9, 26b-10,16; Is 6), etc.

Nesses casos, está purificado, é não ter tocado corpos mortos; é não ser pego em situações cujas leis levíticas declaravam como profanas e ofensa a Deus. Confira, ainda, pelo menos alguns desses textos: Lv 19,2; Am 4,2; Os 11,9; 1Sm 2,2.

A santidade também é um chamado vocacional. Todos nós somos chamados a sermos santos. O povo é santo e quem o faz santo é Deus, por sua livre vontade e escolha (Dt 7, 7-26). Mas não é só isso, ele exorta o povo a buscar a santidade de vida (cf. Lv 11, 44-45) principalmente quando esse mesmo povo se encontra em meio aos perigos de assimilação da cultura alheia em detrimento da sua própria. Deus chama o povo para ser o totalmente diferente, o totalmente outro, o totalmente separado. Sua condição exterior deve refletir sua condição interior enquanto povo sagrado da aliança e portador de esperanças; povo consagrado, nação santa, povo escolhido por Deus.

Mas, se por um lado o povo deve viver a santidade em suas vidas, como encarar e agir quando a perde mediante atos profanos?  O que deve fazer para recuperar essa santidade?

A santidade perdida é possível recuperar por meio da conversão, atitude que vem profundamente ligada aos meios pelos quais se pode concretamente receber e voltar ao estado da santidade. Esses meios se caracterizam pelos rituais e cerimônias cuja função é adquirir a santidade perdida. Eles são sacramentos de uma realidade cujo significado vai além deles mesmos; e apesar de captar toda a profundidade da mesma não se encerra ai. De alguma forma, tais meios são necessários, porém, de certo modo, são também obsoletos e não traduzem toda densidade dessa riqueza cuja realidade é a santidade de Deus para nós.

No “adquirir” santidade também é indispensável aquela atitude e convicção cujo ato incondicional chamamos de fé. A fé é a firme convicção aliada a vontade de mudança cuja dinâmica desde o instante de sua pratica já se começa a realizar.

Dessa forma, Israel enquanto povo sabe e tem plena consciência de que não é santo por seus próprios méritos, por si mesmo; mas, sim, pela gratuidade, amor e bondade de Deus, que lhe confere estado de santidade.

A Santidade no Segundo Testamento

“Como filhos obedientes, não devem mais viver como antes, quando ainda eram ignorantes e se deixavam guiar pelas paixões. Pelo contrário, assim como é santo o Deus que os chamou, também vocês tornem-se santos em todo o comportamento, porque a Escritura diz: “sejam santos, porque eu sou santo.”  Vocês, porém, são raça eleita, sacerdócio régio, nação santa, povo adquirido por Deus, para proclamar as obras maravilhosas daquele que chamou vocês das trevas para a sua luz maravilhosa. Vocês que antes não eram povo, agora são povo de Deus; vocês que não tinham alcançado misericórdia, mas agora alcançaram misericórdia. 1Pd 1,14-16; 2,9-10.

O Segundo Testamento está profundamente arraigado na tradição do Primeiro Testamento, até porque, as primeiras gerações de cristãos beberam dessa fonte. Entretanto, porém, algo novo vem acrescentar ao conceito de santidade.

Santidade não é mais só concebida como algo separado, algo tão somente da realidade divina em si mesma, ou como algo que nos capacita a está na esfera do sagrado-divino, imbuídos de sua própria realidade sacra, mas, também, como sendo algo estritamente ligado ao Senhor ressuscitado.

Ser santo ou estar possuído de santidade, aqui, significa está intrinsecamente ligado a pessoa de Jesus e Jesus ressuscitado. É uma condição que nasce do seguimento a Jesus e da vivencia concomitante dos seus ensinos, o evangelho.

Viver o evangelho em sua mais profunda e genuína intuição é ser santo, totalmente santo, inclusive, morrer mártir confere ao morto um grau heróico de santidade. Assim, ser santo ou estar em estado de santidade denota viver bem e de forma radical o evangelho do Senhor até as ultimas conseqüências.

Também, como na tradição anterior, os cristãos reinventaram os meios pelos quais a santidade fluirá com uma nova conotação: os sacramentos e sacramentais. Assim, sai na frente, a epístola aos Hebreus,  com uma nova concepção do sacerdócio e seu ministério; também a primeira carta de Pedro e sem muitas delongas, as cartas Paulinas.

Em todas elas, a santidade constitui viver na graça e da graça que emana do Cristo ressuscitado, cuja característica principal nos faz ser filhos e, por isso mesmo, chamamos a Deus de “Pai”.  Essa compreensão filial não vem de nós mesmos, mas, por revelação do Espírito “Santo” que habita em nós. Por meio de Jesus somos chamados a santidade e, N’Ele, somos santificados. Eis, porque, Paulo emprega o termo ‘santo’ para os cristãos que estão espalhados pelo império vivendo nas pequenas comunidades; aí, são convocados a serem “diferentes” na sua maneira de agir, sendo solidários, serviçais uns aos outros, e com os de fora, levando uma vida normal, sem, com isso causar alvoroços, estranhezas para os que são de fora da comunidade. Eis, pois, em linhas gerais, o conceito de santidade e ser santo, no contexto bíblico.

Conclusão

Poderíamos enveredar pelos caminhos da história, mas esse artigo ficaria longo demais, e não é nosso objetivo demonstrar a história do conceito da santidade. Inclusive, teria um longo caminho por percorrer: a santidade na patrística; na vida dos grandes místicos; nos fundadores das grandes ordens e congregações; na vida monástica; na vida pastoral da igreja; no período da idade média, moderna e contemporânea, etc, mas, como disse, não é nosso objetivo, entretanto, fica o convite para nosso leitor pesquisar.

Como conclusão, chamaria a atenção para o fato de que, a santidade é algo natural de Deus. Só ele é santo e faz ser santo. Se somos santos, o somos porque ele assim o quer e nos faz ser assim. Porém, há uma concepção estranha da santidade hoje, cuja realidade leva muitas pessoas a “sair” desde “mundo”, condenando-o veementemente como pecaminoso e profano. Jesus disse o contrário (“Pai não os tire do mundo, mas os conserve no mundo, peço-te apenas que livre-os do maligno” – Jo 17, 15).

A Igreja, quando declara alguém santo, o faz no uso de suas atribuições enquanto portadora da missão que Deus lhe confiou. Quando alguém “se torna santo” aos olhos do povo e pela declaração da Igreja, não o é diferente de nós, de qualquer um de nós, mas pelo contrário, justamente por ser um de nós, é que é elevado as honras dos altares, não para ser adorado, mas para ser imitado, ser modelo e exemplo de como viver intensamente a santidade que recebemos de Deus, sobretudo, pelo mistério das águas e da unção do santo batismo. Se alguém foi declarado santo é para nossa edificação e modelo, e não porque a Igreja é detentora de poder que pode até manipular o divino e o sagrado ao seu bel prazer. Não é por esse caminho que se deva pensar; mas, exatamente o contrário, é porque ela é mãe e mestra, que podemos confiar no seu “serviço” ao povo de Deus. Santos somos todos nós, mas uns são elevado às honras dos altares para que, por seu exemplo, tenhamos mais dinamismo de viver àquilo que Deus colocou em nós: a santidade.

O mundo precisa de santos! Santos de calças jeans; santos que gostam de samba; de rock; de reggae; que gostam de esportes; que viva radicalmente a sua fé, seu segmento a Jesus e o seu amor a Deus e aos irmãos de maneira incondicional; sem o estereótipos de uma religiosidade separada do mundo e que ao mundo condena. Porque quem nos faz ser santo é Deus. Só Ele é Santo e porque é, nós por ele, somos também.

Então, vinde, vivamos a santidade de modo mais normal possível, não estaremos nos altares, mas com certeza, estaremos no coração amante e amado de Deus. Um abraço.

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