Olhar Sinótico: As mulheres no sepulcro

Por: Sebastião Catequista

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Nossa leitura da perícope das mulheres no sepulcro quando da morte do Senhor e sua ressurreição tem como demostrar a riqueza sinótica quanto aos fatos, numa releitura de fé. A ressurreição não constitui um fato nos moldes da concepção da história moderna e muitos menos se pode provar diretamente seus indícios, a não ser pela forma indireta com o olhar da fé. A ressurreição é um dado de fé que não é perceptível à razão e sim à fé, e essa mesma fé, interfere na história criando e recriando a história. Não é assim, por exemplo, a história do ocidente a mais de dois mil anos?

            A história ocidental com todas as suas coisas boas e ruins foi escrita e feita sob o signo cristão da fé sob diferentes matizes. E como pano de fundo, por trás está nada mais nada menos de que uma leitura equivocada da fé dos mais diversos interesses e pontos de vista. Ao emitir um juízo sobre isso incorremos no grave perigo de faltar com a verdade em alguma coisa, entretanto, isso não quer dizer que não o possamos fazer.

            Nossa reflexão aqui, é apenas um exercício de leitura do texto sob o olhar sinótico enquanto aprendizado de análise de texto. Um exercício básico de teologia fundamental para quem está iniciando a leitura bíblico teológica dos evangelhos sinóticos.

            No texto acima, tirado da Bíblia Pastoral online, podemos resumir a perícope nos seguintes pontos: Depois do Sábado, no primeiro dia da semana pela madrugada as mulheres vão ao sepulcro com a intenção de embalsamar o corpo e conversam entre si quem vai tirar a pedra na entrada. Ao chegar percebem que o sepulcro está aberto. Há a presença de pessoas (anjos, mensageiros) estranhas e se mantém um pequeno diálogo com as mesmas, onde recebem uma revelação. Saem apressadas e daí por diante cada evangelista tem algumas diferenças em seu enredo, com desfechos diferentes, porém com um mesmo destino.

            Quais as semelhanças e diferenças entre os três evangelistas?  Quanto as mulheres, Mt fala de Maria Madalena e uma outra Maria (ele não indica nada de sobrenome ou ligação com uma situação, pessoa ou lugar, nada). Mc por sua vez diz que era Maria Madalena, Maria, mãe de Tiago e Salomé (ele diz quem é a Maria e acrescenta uma terceira). Lc se refere as mulheres no plural nos versos 1 e 8 e no verso 10 cita os nomes de Maria Madalena, Joana e Maria mãe de Tiago e volta a acrescentar “outras mulheres”. Joana e as outras mulheres não consta na lista nem de Mt e nem de Mc. Falando dos “anjos”, Mt diz que eram anjos (não como entendem a piedade cristã hoje ou a doutrina tradicional, mas como no sentido original da palavra grega – mensageiros), Mc diz que eram jovens e Lc diz que eram homens. Mt e Mc fala de um, e Lc fala de dois homens. Quanto a sua vestimenta e aparência (emitem luzes, cores, veste brancas) demostram uma realidade escatológica própria do sagrado. Daí serem identificados como sendo da parte de Deus.  Sua mensagem é clara: não tenham medo, Jesus o crucificado ressuscitou e vos precede na Galileia, lá o vereis. E o convite dos mesmos para elas verem o lugar vazio reforça a mensagem. Só em Mt e Mc que elas olham para o túmulo, em Lc elas permanecem olhando para o chão (atitude de temor?). Ao voltarem  Mt relata que as mulheres tiveram um encontro com o Senhor no caminho, que se ajoelharam e abraçaram os pés, ouvindo dele a confirmação do anjo de que na Galileia eles o veriam. Mt diz que Jesus os chamou de irmãos. Mc ao contrário diz que o jovem mandou as mulheres falarem com os discípulos e com Pedro para irem a Galileia porque lá o veriam. Ao saírem assustadas nada contaram a ninguém. Lc é mais longo no diálogo entre as personagens. Em Lc as mulheres contam aos apóstolos (veja o texto fala de apostolo em vez de discípulos – indicando algo mais tardio quando todos já têm os 12 como certo “status”) que acharam ser devaneios de mulheres, só Pedro que foi ao sepulcro, viu e voltou admirado pelo que havia acontecido. Não seria a atitude de Pedro algo sem sentido? Dá a entender que, sua reação é a de um devoto que acredita na ressurreição final dos justos e passa a meditar sobre o sentido disso sem muitas consequências práticas.

            Alguns elementos chamam atenção: Porque a Galileia está no centro da questão? Porque Maria Madalena está em destaque em todas as perícopes? Porque a insistência em ver o sepulcro vazio? E o porquê os guardas só aparecem em Mt? E o que têm haver os “anjos” com essa história?  Qual a mensagem real do texto?

            De fato nos textos de cada evangelista há pouco de “história” e muito de “teologia” como releitura do fato em si mesmo e de certo modo reflete a fé da comunidade cristã tardia.

            A Galileia é o local onde Jesus passou maior parte de sua vida, constitui relações interpessoais, foi acolhido. Era mais aberta que o sul do país, a Judeia. Lá os discípulos viveram e construíram suas memórias em torno do Senhor e tiveram uma nova experiência de Deus. A convivência com o Mestre mudou radicalmente suas vidas. Lá é o antigo reino do Norte, a Galileia das nações (cf. Mt 4,12-17) cuja influência do templo e sua ideologia não tinha tanta força. Voltar à Galileia é voltar ao início, é dá esperanças, continuidade ao trabalho, é curar-se dessa “tragédia” vivido por todos. É um novo recomeço… mas, também porque aí havia uma comunidade cristã que mantinha a tradição do Senhor. Sua presença era muito intensa, muito viva em cada recanto daquela região (e também não o é hoje para todos nós? Que o diga os turistas que percorre aquelas ruas na fé…).

            Maria Madalena apesar de nos tempos modernos associarem ela a muitas especulações, pelo menos na comunidade cristã primitiva (segundo a tradição e as memórias à margem da grande Tradição) ela era uma importante liderança discípula apostola do Senhor. Sua relação com o Senhor ultrapassa qualquer especulação, vai ao místico mesmo (e não misticismo) de quem é tocada por Deus e apaixonada (dedicada, serviçal, achou seu mais profundo sentido de vida no Senhor) pelo Senhor. Apesar de sua figura ser “emblemática” numa leitura machista ou supervalorizada numa leitura feminista ou cinematográfica, ela tem seu lugar próprio no desenrolar da revelação de Deus em Jesus para o seu povo e sua Igreja, de modo que é privilegiada (agraciada, porque muito amou) com a graça de ser a primeira a ver o Senhor vivo ressuscitado. É coisa de fé. Isso o mundo e o olhar moderno não entendem, como aliás não entende Clara e Francisco e tantos outros pares na esteira da santidade e do serviço ao Senhor. O retrato evangélico de Maria Madalena é um testemunho da comunidade primitiva do quanto ela tinha importância para eles, quando se trata do testemunho autentico da fé no ressuscitado. Como Maria mãe do Senhor, ela em “menor proporção” recebeu uma graça… porque muito amou.

            O sepulcro vazio faz parte de antiga tradição cujo objeto é “prova de fé” de que o Senhor ali fora depositado e ressuscitou. É como se tivesse dizendo: “Eu acolhi aqui o Senhor da Vida que não ficou cativo da morte”. É um testemunho ocular da fé cristã.

            Os guardas no texto de Mt quer dá ênfases que houve reação por parte das autoridades e que para a comunidade do evangelista, esse por menor, tem todo um significado: as autoridades mentem quando se trata de Jesus e persegue seus seguidores porque tem medo. Sua resposta é baseada em falso testemunho, de que Jesus não ressuscitou. O verso 4 põe na cena o império (os guardas romanos) como testemunha da ressurreição pelo seu próprio medo. Ele sabe que Jesus ressuscitou, mas não quer dar o braço a torcer.

            O anjo do texto tem a função de dá uma mensagem, fazer uma revelação. A comunidade de Marcos não viu o Senhor ressuscitado, mas acredita que ele está vivo pela revelação feita pelo anjo como mensageiro da parte da divindade.  O termino do evangelho é de silencio das mulheres, por medo. Mas fica implícito no texto a fé da comunidade na ressurreição do Senhor, pelo que o anjo falou. Já em Mateus e Lucas, ele (a personagem do anjo) serve apenas como executor da tarefa de rolar a pedra e como mensageiros de boa nova que, em seguida Jesus mesmo aparece e confirma. Isso indica uma tradição com bastante firmeza nas comunidades cristãs: os anjos são vistos como realidade escatológica, ligados ao sagrado da divindade. É uma releitura e uma nova percepção.

Por fim, a mensagem é clara: o Senhor ressuscitou. O crucificado da Galileia, o galileu que caiu nas mãos romanas entregue pelos dirigentes religiosos judeus, agora está vivo e é Senhor (Kyrios) da História. E isso eles não previram e nem leram nas entrelinhas da Profecia. Deus visitou o seu povo.

Os relatos sinóticos evidenciam o dado de fé da comunidade cristã, dados esses que são fatos históricos, mas que só pode ser visto e entendido pela fé.

Bibliografia  pesquisada:

Bíblia de Jerusalém. São Paulo, Paulus, 2016

– Centro Bíblico Verbo. No caminho de Jesus – entendendo o evangelho de Marcos. São Paulo, Paulus,2012

– CNBB. Ele está no meio de nós. O semeador do Reino – o evangelho segundo Mateus. São Paulo, Paulinas, 1998

– Pikaza, Javier. A Teologia de Lucas. São Paulo, Paulinas, 1978

– Schillebeeckx, Edwar. Jesus a história de um vivente. São Paulo, Paulus,2008

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