O Cristo

Cristo

Por: Sebastião Catequista.

Introdução

            Na história dos povos é comum constatar a crença numa personagem cuja função em momentos difíceis é ser o redentor, o libertador, aquele que devolver a esperança e dá sentido existencial e vocacional ao seu povo. Não sabemos quando isso começou, mas é notória na literatura antiga essa crença. Também não fica atrás a cultura moderna. A figura do herói que vence o inimigo, que instaura a paz, é muito alimentada e cultuada desde tenra idade entre as pessoas e famílias, principalmente e modernamente com a cultura cinematográfica. Essa personagem não obstante os desafios é sempre vinculada a figura masculina e tem sobre si a fraqueza e audácia, a ternura, a coragem, e as virtudes necessárias que sobressaltam aos olhos, de modo que é por si, modelo e exemplo a ser imitado.

            Na Bíblia, bem nos primórdios, Israel também concebeu uma figura assim e ela foi uma constante em sua vida e história. Entretanto, diferentemente da concepção e o estereótipo que essa figura assumiu, a personagem salvadora de Israel está ligada diretamente a vocação espiritual do seu povo. Não assume nenhuma descrição moderna a não ser aquela cujas Escrituras dizem dele: o ungido e enviado a salvar o povo e o conduzir para Deus.

            É aí, pois, que entra a fé e a releitura cristã da figura do Ungido. Ele é para a tradição cristã, identificado com Jesus de Nazaré, o profeta e o messias escatológico derradeiro dos tempos finais. Depois dele não há “um depois”, (um novo messias; uma continuidade da história nos moldes e aspirações como na anterior; uma nova etapa a mais e mais uma, mais outra, etc.), estamos na etapa final de um processo histórico de mais de cinco mil anos, cujo fim nos é desconhecido e cuja fé aponta para o melhor: uma nova Era, um Novo Mundo com um novo Ser plenificado. Quanto ao que significa isso na pratica não se tem a mínima ideia concreta e palpável; como e quando isso ocorrerá nada sabemos, a não ser daquilo que nos diz a fé: o Ungido é nossa Bandeira; nossa Esperança; nosso Porto Seguro; e por isso mesmo, n’Ele cremos, n’Ele esperamos, até que tudo seja revelado e concretizado (cf. Rm 8, 18-25ss).

            Jesus de Nazaré (מנצרת ישוע), é para os cristãos de-nominado e acreditado como sendo “O Cristo”(hebraico: há Mashiah). Assim é designado desde os tempos antigos: Jesus Cristo (hebraico: Yeshuah Mashiah). Sendo “Cristo” além de uma função (que ele exerce – o ungido enviado), passou a ser também ‘sobrenome’ daquele que é “o crucificado vivente” e, por conseguinte, “Senhor”[Kyrios] (cf. Fl 2, [5-11] 9-11) último e derradeiro da História.

Um pouco de Gramatica

            A palavra ‘Cristo’ é um termo grego Cristos – Christós – que por sua vez é tradução do termo hebraico ‘h;yvim’’ – Mashiah – ser ungido, consagrado. O Ungido. Daí o derivado latino de “Messias” – Ungido.  Ou seja, o Messias é uma pessoa consagrada, ungida para uma missão específica.

Masāh  –  hv;im’ –  untar, azeitar, besuntar, perfuma-se, ungir. Significa o ato de ungir, consagrar com o óleo algo (utensílios do culto) ou alguém (reis, sacerdotes, profetas) para desempenhar uma função ou tarefa esporádica. Confira pelo menos algumas dessas leituras: Am 6, 6; Is 21, 5; Ex 29, 1-10s; 30, 22-23; 40, 1-15; Lv 7, 11-15; 2Sm 2, 4; 1Rs 1, 28-40; 2Rs 9, 1-10; Nm 7, 1s.10.

O Messias no Primeiro Testamento

            Folheando as páginas do Primeiro Testamento encontramos algumas citações sobre o Messias. No decorrer da história israelita ele foi esperado como ‘Salvador’ e identificado com alguns reis em determinado contexto de perigo à existência de Israel (cf. Is 41, 1-7. 25; 44, 28); e inclusive, houve ungidos na casta sacerdotal em tempos tardios (cf. Dn 9, 25-26). Porém, David é o rei e o ungido por excelência (cf. 2Sm 5,1-5; Sl 89, 4-5; 2Sm 7). Depois dele, mesmo havendo outros ungidos em momentos críticos da história israelita (Ciro [Is 44,24-45,8]; Onias III, etc), como sabemos, todavia, porém, o Messias que virá faz parte da descendência davídica (Jr 23,5; 33,17, Ez 34,23-24; 2Sm 7,5-13). Ele será o Ungido escatológico e derradeiro que estaria por vir à semelhança de David e de Moisés (cf. Dt 18,18-19).

            Desta forma, o Messias como tal, foi no imaginário coletivo esperado e ansiado por muito e muito tempo, sendo já no tempo de Jesus, inclusive, esperado para os tempos do fim (cf. Mc 13, 24-27; Mt 24, 1-25). Para isso, haveria sinais que o precederia (cf. Ml 3,1), ao mesmo tempo em que, anunciava sua chegada a Israel (Is 40, 3-5; 60-61; Mt 12, 38-42); e que caberia a Ele, libertar o povo de seus opressores e instaurar o Reino de Deus na vida do “povo da terra”, cumprindo assim, as promessas messiânicas, como nos mostra a teologia de Isaías.

            Também com o passar do tempo, foi sendo cada vez mais difundida a convicção de que o Messias haveria de cumprir sua missão sob três aspectos: a de sacerdote, de rei e do profeta. A tríplice missão era se não, facetas de uma única e mesma missão: Salvar Israel.

            Gerações inteiras durante séculos fomentaram coletivamente em seu imaginário essa figura do Messias esperado (cf. Mt 22,41-46; Mc 8,27-30). No tempo de Jesus, seus conterrâneos (e inclusive o próprio Jesus) acreditavam e alimentavam essa fé para um futuro muito próximo (cf. Mt 24, 1-36ss).

            Mas, diversamente dos seus conterrâneos e contemporâneos, Jesus pensou a figura do Messias diferente, tendo como pressuposto a linha profética, inclusive indo mais longe… Como se descobriu sendo Ele mesmo, o Messias esperado? E como as comunidades cristãs chegaram a essa compreensão de Sua pessoa, podendo afirmar com tanta fé, sua identidade e missão?

O Messias no Segundo Testamento

No Segundo Testamento, encontramos uma fé muito viva, forte e contagiante das comunidades cristãs (Ex.: Atos dos Apóstolos). Para elas, Jesus de Nazaré, o crucificado ressuscitado dos mortos, é ‘O Cristo’, enviado do Pai para a Salvação de todo Povo (cf. At 2, 22-24).

No tempo de Jesus, havia os grupos que esperavam uma ação iminente de Deus; ação essa que seria de julgamento dos seus inimigos; e essa ação seria levantada pelo Ungido, o Messias. Desse modo, cada qual tinha lá suas concepções sobre esse Messias, como também, estavam certos de que seria cada um a seu modo, fieis discípulos, e escudeiros seu. Cada qual tinha lá seus critérios cujas linhas enquadravam a figura do Messias esperado. Confira na Bíblia Pastoral (Introdução ao NT) da editora Paulus, ou/e em algum livro de teologia bíblia do Novo Testamento (cf. bibliografia), sobre a ideologia de cada grupo e partido da época de Jesus (Cf. O artigo sobre o cenário político dessa época, aqui no site). Aí você verá o que pensava cada grupo. O povo também estava na expectativa e tinha também seu imaginário messiânico (cf. Jo 6, 1-15). E Jesus?

Ao contrário dos grupos e do povo, Jesus não faz uma caricatura do ‘Messias’ esperado. Não compartilha da mesma opinião. Quanto a isso, sua base de leitura é bem diversa e concreta. Ele mergulha nas Escrituras indo além da letra (Lc 24, 13-29ss). Iluminado por ela faz o confronto com a realidade; a partir da sua relação com Deus, o Pai; e de sua pratica em favor do Reino, entende a si como o Messias e sua práxis como sendo obra messiânica. Nesse caso, sua percepção do Messias é bem diversa dos seus conterrâneos e contemporâneos, cuja personagem ele o assimila a partir da figura do “filho do Homem” (cf. Dn 7, 13-14; Ez 2,1ss).

O Messias como Jesus o entende, está mais para cumprir a aliança com Deus de que cumprir somente com a tarefa política e ideológica da elite do povo quanto aos destinos de Israel. Sua fidelidade a Deus é garantia de salvação para Israel; e compreender isso e a pessoa do Messias como ele o compreende, a partir da personagem do “filho do Homem”  é fundamental para acolher a vinda do Reino que está a caminho.

Com certeza, podemos intuir que Jesus chegou a essa conclusão e assumiu sobre si a pessoa e missão messiânica tendo como base também a profecia e espiritualidade de Isaias (cf. Is 42,1-7; 49,1-6; 50,4-7s; 52,13-53,12). Pelo menos, assim o compreenderam a interpretação posterior das comunidades primitivas (cf. Fl 2,5b-11; Cl 1,15-20; Ef 1,3-14; Hb 1,1-4). Ele é o Messias, chegou trazendo a salvação e, sua vida é comum aos cidadãos, não se diferencia dos outros em nada exceto do que dele se diz: filho do homem. E na vida simples, no meio do povo, inculca a salvação na vida do povo e alerta-o para os destinos da nação.

Conclusão

Durante séculos na história ocidental, se tentou escrever uma “história de Jesus” de ‘forma critica’ e conforme a ‘história real’ nos moldes como se concebe hoje em dia. A pesquisa cientifica tentou separar ‘Jesus’ do ‘Cristo’ bem como remontar uma pré-história, sua empreitada deu bons frutos, é verdade, abriu um leque de possibilidades, mas por outro lado, não conseguiu a contento, e nem logrou resultados que nos mostrasse ‘a verdade’ por trás e aquém da tradição e dos evangelhos.

            De qualquer forma, a riqueza desses frutos, mas que sua estreiteza ou limites nos proporcionou um amor e um seguimento mais radical a Jesus de Nazaré, o Cristo, bem como uma leitura mais realista e esclarecida dos citados livros bíblicos e da tradição.

            Baseado nesse amor, fé e seguimento radical a Jesus de Nazaré, é que podemos afirmar, testemunhar com a força do martírio dos que tombaram e tombarão história afora que, esse Jesus dos evangelhos, proclamado pela Igreja, experimentado na labuta cotidiana de milhões de seguidores seus, esse Jesus de Nazaré, é o Cristo, vivo e ressuscitado, sinal de Deus para nossa redenção e salvação derradeira até a plenitude dos século e no novo devir.

Bibliografia consultada

– Mckenzie,John L. Dicionário Bíblico. São Paulo. Edições Paulinas,1983.

– Alonso Schökel, Luis. Dicionário Bíblico Hebraico-Português. São Paulo, 1997.

– Friberg, Barbara. Friberg, Timothy. O Novo Testamento Grego Analítico. São Paulo.Edições Vida Nova, 2006.

– Biblia de Jerusalém – Nova edição, revista e ampliada. São Paulo. Editora Paulus, 2002.

– Bohn, Gass,Ildo. Uma Introdução à Bíblia – Período Grego e Vida de Jesus. Volume 6. São Paulo. Editora Paulus, 2007.

– Tilich, Paul. Teologia Sistemática. São Leopoldo. Sinodal, 2005.

– Mateos, Juan. Camacho, Fernando.Jesus e a Sociedade de seu tempo. São Paulo. Paulus, 1992.

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