Lucas, 10, 38-42: Marta e Maria

marta-e-mariaNo evangelho de Lucas, 10, 38-42, temos o episódio em que Jesus se encontra com Marta e Maria em casa de ambas. Marta atarefada pede que o Senhor repreenda a Maria que o escutando a seus pés, deixa a irmã com os afazeres domésticos. Esse, porém, lhe dirige a palavra enfatizando que Maria nesse momento estaria livre, pois, com a melhor parte, enquanto Marta deveria continuar executando a tarefa que a si lhe havia imposto.

Essa leitura é de difícil interpretação e que, durante séculos serviu tanto para o Ocidente quanto para o Oriente de argumentação, quando não muito, fundamentação para a concepção da vida contemplativa e ativa sob diferentes prismas.

Houve épocas até bem recente em que a vida contemplativa era tida como “melhor”, “superior” à vida ativa. Mormente fortes crises históricas, também a vida ativa sobrepujou ainda que de modo sutil a vida contemplativa. Nesses enlaces de interpretações, Ocidente e Oriente foi muitas vezes visto sob esse prisma. 

A síntese entre vida contemplativa e vida ativa foi bem mais feliz no alvorecer da modernidade com o movimento franciscano, que rejeitando tais visões, preferiram uma síntese cujo elemento constitutivo se mostra numa vida simples, orante e ativa simultaneamente.

Para os franciscanos, a vida cotidiana está toda imbuída do sagrado, e nesse caso, tudo fala de Deus e para ele eleva-nos, fazendo-nos contemplativamente ativos e ativamente contemplativos. Assim, a vida cristã não é feita de dicotomia, mas de uma mesma e só essência onde na ação acontece a contemplação e na contemplação acontece a ação.

Se levarmos em conta que o evangelho não foi escrito para padres, religiosos/as, especialistas em teologia, mas para o povo simples, pessoas comuns, trabalhadoras, devotas, que vive a vida vinte e quatro horas na labuta da sobrevivência e na fé do seguimento e testemunho do Senhor; e que essas pessoas são elas próprias membros das comunidades cristãs, temos aí uma outra forma ou nível de reflexão, de ordem mais comunitária, existencial e testemunhal mesmo.

Nesse caso, Marta e Maria evidenciam não uma dicotomia, e nem uma sínteses, mas uma simultaneidade (como na moeda, onde está a cara e a coroa mesmo em lados distintos, formam a mesma e uma só moeda). Nesse caso, a lógica do texto na cabeça do povo tem uma outra conotação: fé (contemplação/Maria) e vida (ativa/Marta) não se separam, entrementes há momentos de exteriorização em contextos e momentos diversos, mas que não se excluir, não se estranham e nem se delimitam a si mesmos. Exemplo disso é por exemplo, as festas de padroeiros/as, cuja realidade é marcada pelos “atos litúrgicos” e pelos “atos folclóricos”, “festivos” (comidas, bebidas, coisas “profanas”) que se dá no entorno da igreja. É claro que, a mentalidade clerical faz divisão entre o sagrado e o profano, mas na cabeça do povo em certo sentido não funciona assim.

Daí, podemos tirar elementos de reflexão cuja ideia nos leva a perceber toda a riqueza desse evangelho, do encontro das irmãs com o Mestre. O “bom” o “melhor” que é dito pelo mestre não constitui de certo modo o “escutar” “está aos pés” (atitude de discípulo ouvinte, aprendiz) cuja regalia só Maria tem; mas sim, o “bom’ e o “melhor” é “está na presença do Mestre” (Marta e Maria + Jesus) seja de modo contemplativo, seja de modo ativo. E como ambas as realidades constitui uma só e mesma realidade, o Mestre se faz presente de modo paradoxal.

O Senhor nos chama, bate a nossa porta e como Marta e Maria, espera de nós uma atitude: contemplá-lo ativamente e servi-lo ativamente contemplando-O. Eis, pois, o convite do evangelho das imãs de Betânia.

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