Salmos: a oração do povo de Deus

Salmos: a oração do povo de Deus

 Por: Sebastião Catequista

Introdução:

Os salmos são a oração do povo de Deus. Isso todo mundo sabe. Porém, essa oração não é uma oração nos dias de hoje tão popular assim; e o motivo é simples: o povo dos católicos não estão familiarizados com a Bíblia e, nela, o saltério.

            É preciso recomeçar! É preciso ajudar o povo a se familiarizar com os salmos, fazer dele sua experiência orante, seu encontro com Deus. E com essa ideia é que a Igreja tem dinamizado várias iniciativas: a Liturgia das Horas; o Ofício Divino das Comunidades; os Círculos Bíblicos; o próprio saltério – com os 150 salmos, etc.

            Os salmos são hinos orantes e como tal foram feitos para cantar; porém o jeito do homem antigo e medieval cantar os salmos é muito incomum. Com o passar do tempo perdemos esse contato cantante, mas em cada época o povo “criar” novas melodias. A Igreja sobretudo a partir dos monges, tem uma boa referência: o canto gregoriano. De uma solenidade muito intensa e de uma melodia agradável, os salmos nas celebrações se restringi muitas vezes às vozes do coral. É preciso que todo povo cante os salmos, aprenda a cantar e rezar; e não o podendo fazer, que reze com todo o seu ser (postura corporal e sentimentos).

            Para quem reza os salmos tem que saber que a mentalidade do homem e da mulher bíblica é muito diferente do homem e da mulher de hoje. Enquanto o homem e a mulher bíblica experimentam a presença de Deus à flor da pele; vê Deus agindo nas forças da natureza; agindo contra seus inimigos; vê Deus agindo através de situações e pessoas; o homem e a mulher de hoje têm certa dificuldade de “captar Deus” em seu cotidiano.

Os salmistas são muito concretos em seus anseios; tem uma sensibilidade política, religiosa e social muito presente em sua oração sálmica. Aí se fala do inimigo, do rei, dos governantes, da (in)justiça, do mal, da guerra, da vingança, da prosperidade, da doença, do castigo de Deus, das consequências do pecado do próprio orante, da nação;  etc. O contrário somos nós modernos, essas coisas são separadas entre a fé e a vida. Não estão tão comumente presentes em nossa oração, em nossa relação com Deus.

            Diferentemente, o homem e a mulher pós-moderna são mais cabeça, mais razão, e mais emoções. Entretanto, não conseguem unir tudo isso com a fé. Há um hiato que não deixa entender que fé e vida é uma coisa só. Religião é religião; política é política; vida social e familiar são duas coisas que não se juntam direito, e por aí vai… e isso não é assim com o homem e a mulher bíblico. Em sua oração sálmica essas coisas aparecem na sua relação com Deus de um modo só. Tudo é muito intenso! A linguagem e os símbolos (rocha, águia, aguaceiro, rio, instrumentos de guerra, sol, lua, lei, etc,) são muito fortes para expressar suas convicções, suas alegrias, suas dores, seus êxtases diante do mistério e diante do grandioso, seu entendimento de Deus.

Tudo é muito concreto e num fôlego só. Nos salmos a fé é vivida 24 horas e tem uma poesia sem igual. Porque também os salmos são poemas, poesias, e fala da vida nua e crua. Ele nos encanta!

            E tem muito mais! Os salmos não são só orações hínicas, não são só expressão poética, não são só relação com Deus. Eles também têm uma mensagem. São “Palavra de Deus” para o ouvinte e seu recitante. Através de suas próprias palavras e sentimentos recitadas nos salmos, o orante intui que Deus se comunica, fala com seu orante. Eis, uma percepção que bem poucos conseguem intuir. Por isso que na Leitura Orante da Bíblia e na Leitura Popular da Bíblia quando rezamos os salmos, em dado momento silenciamos, percorremos suas linhas por uns instantes em silêncio; e em seguida repetimos com muita veemência e identificação aqueles versículos que mais nos chamaram atenção. Porque houve uma simbiose. E é justamente aí, e por meio dessa escolha, que Deus nos fala. Porém, há que se ter uma boa prática e familiaridade com os salmos, como com toda a Bíblia.

E uma dificuldade que temos que vencer é: parar para rezar. Rezar os salmos! Acostumado a uma rotina onde o tempo todo temos que ser pensantes, elétricos, vivendo sempre pensando no amanhã com mil e uma coisa para fazer, fica difícil rezar sem estar aqui, agora, no momento presente. Os salmos exigem isso da gente. Ser presente, curtir orantemente a vida com toda a sua “carga” diante de Deus, e haurir d’Ele, as forças necessárias para continuar em frente. É preciso ao recitante, mergulhar no espirito do salmo e tomar para si todo os sentimentos e apelos que a letra diz.

            E mais! É importante dizer que ao rezar o salmo, seu recitante deve levar em consideração que ele não é uma oração individualista; pessoal, sim, individualista, não. Por isso, deve sabe-lo que, ao rezar, mesmo estando só, está rezando em comunhão com toda a Igreja. Deve saber que em algum lugar haverá sempre alguém também rezando. Que juntos formam uma unidade, a Igreja orante. Ele não está só!

Contextualizando…

Em sua estrutura, o salmo tem uma organização interna que precisamos levar em conta. Rezar os salmos sem pelos menos conhecer sua teologia, seu modo de vida, seu modo de ser, certamente, faz perder boa parte de seu espirito e mensagem. Por isso se faz necessário conhecer a teologia dos salmos para melhor aproveitar sua riqueza a nosso favor.

E como se faz e se tem acesso a “esse saber”? Hoje, graças a Deus, nossas bíblias já trazem no rodapé muitas dessas informações; porém, não nos dispensa de ler, procurar artigos e livros sobre o assunto, uma vez que se trata da nossa formação espiritual. Porque os salmos são um caminho espiritual, é uma espiritualidade.

Cada salmo ao ser escrito teve um contexto. Ao ser lindo, relido tantas e tantas vezes em contextos dos mais diversos, deste o pessoal ao coletivo, fez surgir novas releituras. A cada vez que os salmos são recitados, cantados e meditados dá evasão aos sentimentos e histórias de vida de seus usuários; e isso extrapola suas mensagens e leitura. O torna dinâmico, atual, e por isso mesmo, o faz ser tão cativante.

Exercício de alguns salmos….

            Vamos exercitar nossa percepção com a análise de alguns salmos. Ao ler os salmos, escute cada palavra pronunciada; se deixe conduzir por ele, sem fazer uma ideia pré-estabelecida de seus conteúdos; não procure logo sua mensagem mas se deixe envolver pelo sentimento e espirito que a seu ver faz emergir nessa hora; depois, relei-o vendo os sentidos das palavras; procure ver a relação que acontece entre seu orante e Deus; veja como são apresentados no texto; em seguida, procure ver de que fala, com que linguagem, que símbolo, e que sentimento está latente no texto. Ao ler o salmo esteja atento/a por exemplo, a perguntas como estas:

– Quem está falando? Qual é seu sentimento, sua história?

– Como Deus é citado, comparado, no texto? Que papel desenvolve?

– Quais sentimentos me inspira? Com que me identifico?

– Qual a ‘palavra forte’ no texto que o poderia ‘resumir’? [Sabendo que todo resumo é limitado e corre o perigo de fechar novas possibilidades…]

            Com o passar do tempo e com a prática a oração dos salmos vai ficando fácil, e se tornando algo normal no nosso cotidiano orante com a Bíblia.

            Seria interessante ler e estudar alguns salmos. Que tal uma dessas sugestões?

Sl         Sl         Sl         Sl         Sl         Sl         Sl         Sl         Sl         Sl

3          13        23        30        40        51        63        80        102      130

4          14        24        34        42                    67        90        103      146

8          15        27                     46                                  92        111      147

            16        28                    47                                                115

 

Analisando o Salmo 13 (12)

Do mestre de canto. Salmo. De Davi.

2 Javé, até quando me esquecerás? Para sempre? Até quando esconderás de mim a tua face?

3 Até quando terei sofrimento dentro de mim, e tristeza no coração, dia e noite? Até quando meu inimigo vai triunfar?

4 Atenção, Javé, meu Deus! Responde-me! Ilumina meus olhos, para que eu não adormeça na morte.

5 Que meu inimigo não diga: «Eu o venci!» E meus opressores não exultem com meu fracasso.

6 Quanto a mim, eu confio no teu amor! Meu coração exulta com a tua salvação. Vou cantar a Javé por todo o bem que ele me fez!

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O texto é muito forte. É de alguém angustiado, perseguido. Veja que o tempo, tem uma função. Deus está ausente, o orante reclama sua ausência. Pede proteção em meio as dores. O que mantém o fiel na relação com Deus é o amor. Veja que atendido, o orante faz uma promessa: cantar a Javé. Daí entender por entrelinhas que o orante é alguém ligado ao coral da corte.

Como personagem temos Deus, o agricultor, os inimigos, o opressor; como situação limite temos: tristeza do coração, o sofrimento em si, a morte sem justiça, o fracasso.  O sentimento é de quem está gravemente enfermo, depressivo, sentindo a falta de Deus; e ver o inimigo opressor agindo.  A atitude de fé é: confiança, alegria interior; de quem com Deus supera a dor/aflição.

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            Ao ser rezado hoje, quais situações poderíamos imaginar para esse salmo? Como se encontra o estado de seu orante? Que mensagem ele nos empodera diante do “inimigo” (o que e quem seria)? Como Deus é compreendido em suas linhas?

             São questionamentos assim, e os que foram apresentados acima, que nos ajuda a ter clareza dos salmos e nos faz tomar uma postura orante rica da experiência e limitação humana e da presença e ação de Deus.

Conclusão

            Os Salmos foram recitados e cantados por Jesus. A Igreja primitiva também seguindo os passos do mestre, os recitou e cantou. É seu patrimônio mais genuíno e herança do primeiro povo de Deus, da primeira Aliança.

            Durante séculos, a Igreja usou e usa os salmos na sagrada Liturgia. Na catequese, de modo muito tímido ele é usado. Talvez uma das coisas que explique sua “timidez” nas “aulas” de catequese, seja o que se aplica de modo geral ao motivo do porquê o povo católico tem dificuldade de ler e entender a Bíblia como um todo: ter a Bíblia na mão a bem pouco tempo.

            Sim! O povo só veio ter a Bíblia na mão e em sua própria língua a pelo menos 50 anos. Pois, antes do Concílio Vaticano II, a Bíblia era restrita a uma “elite clerical e religiosa” da Igreja, numa língua totalmente de “outro mundo”, o latim.

            As razões que levou a Igreja por esse caminho podem ter sido “acertadas” para a Igreja tridentina (do Concílio de Trento) naquela ocasião histórica, mas pagou um preço muito alto que repercutiu nas gerações futuras e hoje, estamos ainda sofrendo os efeitos dessa ação. Sobretudo quando comparamos a pratica católica com a pratica protestante do uso da Bíblia.

            Mas, ainda há tempo! Por isso mesmo se faz necessário que a catequese na pessoa dos catequistas, invista tempo, forças, e empreendimento para que as novas gerações aprendam a ler e usar a Bíblia e com ela, os Salmos, podendo usufruir ao máximo todo seu potencial enquanto caminho espiritual de comunhão com Deus e os irmãos.

            É uma tarefa difícil, porém muito gratificante.

Bibliografia consultada:

Salmos e Cânticos – a oração do povo de Deus. São Paulo: Paulinas, 1982.

Livro dos Salmos: o Rio dos Salmos nas Nascentes ao Mar. Roteiro para Reflexão V. São Leopoldo: Cebi,1997.

– Nova Bíblia Pastoral. São Paulo: Paulus, 2017.

Ofício Divino das Comunidades. São Paulo: Paulus, 2016.

– Stadelmann, Luis.I.J. Os Salmos: comentário e oração. Petrópolis: Vozes, 2000.

– Sante, Carmine. Israel em Oração: as origens da liturgia cristã. São Paulo: Paulinas, 1989.

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