Cristãos leigos e leigas na Igreja e na Sociedade

Cristãos leigos e leigas na Igreja e na Sociedade: “Sal da Terra e Luz do Mundo” (Mt 5,13-14)

Uma abordagem leiga do Segundo Capítulo (91-167)

Por Sebastião Catequista

Introdução

            O Concílio Vaticano II em sua teologia do Povo de Deus descreveu a Igreja sob três aspectos: a vida clerical, religiosa e leiga. Na primeira temos os ministérios ordenados: o diaconato, o presbiterato e o episcopado; na segunda, homens e mulheres que vivendo coletivamente sob uma regra fazem voto de consagração configurado pelos conselhos evangélicos da pobreza, da castidade e da obediência; e a terceira, a vida do laicato – que tem como critério homens e mulheres casados ou solteiros/as vivendo e dando testemunho da fé. Dessa forma está estabelecida a vida eclesial do povo de Deus.

Dizendo em linguagem vocacional: cada um desses estados de vida existe e contribui cada qual com sua riqueza própria para a vida eclesial do povo de Deus. Pelo Batismo todos são iguais, descendentes da mesma fonte, porém com diferentes leituras e funções no ministério e no carisma, pois, a consciência evangélica é um imperativo aos três estados. Nenhum está dispensado da obediência ao Evangelho.

            E como estamos falando do leigo, cabe perguntar qual a origem dessa palavra e que sentido têm em nosso documento.

Leigo, enquanto palavra vem do grego, laós, multidão. Em termos modernos, “leigo” “laós”, quer dizer: povo no meio do povo. E em distintas épocas ela teve novos significados e novas releituras. Atualmente na Igreja, leigo é uma pessoa com uma consciência despertada enquanto povo no meio do povo e se distingue desse apenas pela “função” vocacional que exerce na comunidade.

O documento 105 da CNBB na atual conjuntura fala dos leigos; ele (o documento) nasce a partir de duas realidades interligadas entre si: a nova eclesiologia sob a bandeira do papa Francisco; e a “nova consciência” do laicato que insurge na vida eclesial sob novas formas de organização e ação pastoral no meio do povo.

E para melhor aprofundar essas realidades no contexto social e político em que estamos vivenciando nos Brasil, a CNBB, promove essa reflexão e o Ano do Laicato.

            Penso que essas seriam uma boa justificativa para esse novo documento cuja preocupação central é o leigo e a leiga nessa nova eclesiologia, sobretudo pastoral, dentro do contexto social e político brasileiro. Basta ver o fiasco que foi o pleito eleitoral desse ano.

            O documento em princípio tem muitas novidades.

            A partir do título do capítulo em questão: “Sujeito eclesial: discípulos missionários e cidadãos do mundo” chama-nos também atenção para o fato de que na mente dos redatores, e dos nossos bispos, os leigos são esses “sujeitos” que pelo batismo “são Igreja” e “não estão somente na Igreja”.

Mas não só isso, eles são discípulos e missionários, ouvintes e enviados. Enviados para onde? O próprio título nos diz: para dentro da realidade eclesial do povo de Deus e para o mundo.

Identidade e dignidade da vocação laical (108-118)

            A partir da Constituição Dogmática Lumen Gentiu (luz dos povos) o documento nesses parágrafos traça o perfil da identidade do laicato e sua dignidade ambas advindo do batismo, sob o signo de “uma só fé e um só Senhor” (Ef 4,5). Nessa linha de leitura, o que os redatores e os bispos têm diante de sí é a teologia do corpo paulino (Rm 12,4-5). Aí conseguem inserir uma concepção eclesiológica da comunhão que justifica por assim dizer o ministério ordenado e o laicato como integrantes e participantes cada um ao seu modo, do “múnus sacerdotal, profético e régio de Cristo” como missão de todo povo de Deus na Igreja e no mundo.

            A consequências primeira dessa abordagem é que o laicato deve ter uma consciência de que não só pertencem à Igreja, mas são Igreja.

            Uma segunda consequência é que, o múnus (sacerdotal, profético e régio) supracitado deve ser vivido pelo laicato através da irmandade, na fraternidade, participando dos sacramentos sendo oferta de si mesmo sobretudo na obra da evangelização e na ação pastoral. Eis sua identidade e dignidade. E mais, essa oferta de si como igreja e membro de um corpo tem seu campo de apostolado especifico no mundo: a participação na sociedade, a educação cristã dos filhos, e o testemunho evangélico. E isso ao mesmo tempo que o laicato vive sua experiência de fé dentro da comunidade eclesial.

            E tem mais! O laicato tem como modelo inspirador: Maria, mãe de Jesus. Ela deve ser venerada e imitada. É ícone! Nela encontramos as razões teológica para a identidade e dignidade como povo de Deus.

            A conclusão óbvia a que os redatores e os bispos nos apresentam dessa realidade teológica, e é enfatizada no texto, é que toda vocação é um chamado, chamado para a santidade universal da salvação.

O cristão leigo como sujeito eclesial (119-134)

            Nesse paragrafo apresenta o laicato conforme já se havia dito em Santo Domingo, que apesar do laicato ser uma forte presença na igreja muitos não despertaram para uma consciência do seu papel eclesial tanto dentro quanto fora do espaço igrejeiro.

            A convivência com o clero de certo modo “clericalizou os leigos” (cf. nº 120) dificultando um assumir corresponsável seu papel enquanto protagonista e sujeito eclesial que tem “poder e força” de transformação.

            O laicato em novo contexto eclesial, nesses novos tempos, décadas depois do Concílio evoluiu bastante, mesmo persistindo o seu clericalismo e a consciência ainda adormecida em muitos. Para os despertos novos paradigmas se lhes abriram os olhos diante do papel a que são chamados a exercer.

            Eles carecem da liberdade, da autonomia enquanto elementos próprios do exercício de sua vocação, porém, não sem aquela compreensão que dá sustentação a comunhão eclesial. Pois como afirma o nº 126, a verdadeira comunhão gera autonomia, liberdade, corresponsabilidade, e é na igreja enquanto povo, enquanto comunidade de fieis, que os leigos e leigas as encontram e completa a sua vocação e missão, dentro e fora da igreja, no mundo.  E isso de certo modo supõe maturidade, maturidade que nasce de uma consciência desperta adequadamente.

            E nesse sentido, o documento (no nº133) apresenta uma longa lista de desafios e conflitos do cotidiano das comunidades e que estão na vida do laicato de modo que uma vez tomado consciência do seu papel, urge superá-las. Não de modo isolado, mas como um corpo eclesial em que o laicato tenha liberdade e criatividade de assumi-la, e transformá-la pelo seu testemunho evangélico.

            É preciso que os leigos e leigas tomem consciência disso, pois só valorizar as tarefas no interior da Igreja sem levar em consideração sua presença no mundo pode criar uma “esquizofrenia religiosa” (cf. nº 134), uma separação e condenação do mundo e uma supervalorização do sagrado versus profano desvirtuando inclusive o plano de Deus que cria a Igreja para atuar no mundo, e não para ficar ao redor de seu próprio umbigo.

            O leigo e a leiga são sujeitos que atuam e devem atuar dentro e fora da Igreja, mas como Igreja, com liberdade, autonomia e em comunhão eclesial.

Âmbito de comunhão eclesial e atuação do leigo como sujeito (136-150)

Essa consciência anteriormente abordada, é nesse paragrafo enfatizada a partir de algumas realidades cotidianas. Em todas elas, os redatores são incisivos em afirmar que “a presença e a atuação dos leigos e leigas se dá na Igreja e no mundo”. Aqui subentende-se que o leigo é consciente do seu papel, não é apenas “ovelha guiada pelo pastor”, mas também “protagonista de sua própria ação”. Dizendo de outro modo: os leigos e leigas são e estão empoderados enquanto atores evangélicos daquelas ações transformadoras que criam espaço de testemunho, evangelização e eclesialidade.

Assim, o primeiro espaço de atuação é na família. Depois a própria comunidade eclesial através dos conselhos pastorais, econômicos, das assembleias, reuniões pastorais, nas cebs, nos movimentos eclesiais, associações, novas comunidades, etc. Todos eles “espaço eclesial” igrejeiro.

E todas essas tarefas que exteriormente mostra seu processo de santificação universal acontece em comunhão com as lideranças clerical da igreja na pessoa do papa, dos bispos, dos padres, evidenciando pelo testemunho a fé católica, apostólica, a partir de uma comunidade e realidade comunitária/paroquial ou nas e em pequenas comunidades (cebs, comunidades novas) cuja presença neste mundo dar ênfases a realidade do reino que há de vir.

Porém, mesmo agindo assim dentro da comunidade de fé, sua ação à ela não se restringe, como acabamos de dizer, pois, a Igreja os anima e apoia sua inserção no mundo.

Carismas, serviços e ministérios na Igreja (151-160)  

            Uma Igreja Corpo e Comunhão é uma Igreja de carismas, serviços e ministérios.

            Partindo da realidade trinitária os autores apresentam nessa parte uma Igreja movida pela ação do Espírito. Ele é destacado como autor e distribuidor dos carismas, suscitador dos serviços e dos ministérios no interior da Igreja.

             Ele age com liberdade e sua inspiração suscita formas variadas de ação evangelizadora e transformadora de modo que carismas, serviços e ministérios não dependem de mandato, delegação da comunidade eclesial, entretanto, os redatores orientam que, num espírito de comunhão, cabe ao clero o seu discernimento (cf. nº 152).

            O documento define que “todo ministério é um carisma, por ser um dom de Deus; mas nem todo carisma é um ministério” (cf. nº 155). Dessa forma na vida do laicato a Igreja define teologicamente, o que é e qual o papel do “ministério” e do “carisma”; sendo o ministério exercido por leigos, pode ser “reconhecido”, “confiado” e “instituído”.

            Através do ministério e do carisma leigos e leigas tem na Igreja “espaços de participação” é assim, por exemplo, com os catequistas, com os ministros da Palavra, e outros serviços pastorais.

            O que fica claro nesse parágrafo é que, não é mais possível pensar a Igreja e a vida eclesial sem o incentivo, a participação e a corresponsabilidade do laicato; os leigos e leigas não “pertencente” à Igreja como se os possuísse para si, mas pelo contrário, leigos e leigas “são” a Igreja. Nela eles tem “cidadania plena” corresponsabilizada.

            Desse modo podem intervir nas relações cotidianas sobretudo no que toca a presença eclesial no mundo.

Serviço cristão ao mundo (161-167)

            Por fim, os redatores olham para os leigos e leigas no mundo em que vivem, e os contempla nas suas relações cotidianas. Como Igreja que são, o povo do laicato tem no mundo um papel específico: ser sal da terra e luz do mundo.

            Trocado isso em miúdos: são agentes inseridos no contexto sociopolítico onde por suas ações e convicções evangélicas inculturam o Evangelho.  No trabalho, na economia, na política, na cultura, na educação, na arte, onde quer que estejam e atue, sejam sinal eclesial de mudanças e evangelização pelo testemunho da fé e da caridade.

            “Não é preciso ‘sair’ da Igreja para ‘ir’ ao mundo, como não é preciso ‘sair’ do mundo para ‘entrar e ‘viver’ na Igreja (cf. nº 166).

Conclusão

            Em outros documentos e sob diferentes contextos e temas, os leigos e leigas, foram alvo de reflexão tanto por parte do papa, como dos nossos bispos. Em cada um deles, o laicato foi motivo de “um olhar pastoral” de acordo com a leitura eclesiológica e social que se tinha naquele momento. Aí eles eram motivo de “pastoreio” e de incentivo para “ir ao mundo” como “agente transformador”, hoje diríamos “empoderados”.

            Com o presente documento, novos paradigmas e novas reflexões e novas releituras se fazem surgir onde o leigo está mais amadurecido e é empoderado na sua ação tanto dentro da Igreja como na Rua. Aos poucos ele mesmo vai se dando conta de suas responsabilidades, de seus direitos e deveres no meio do povo de Deus.

            Deixando de “ser ovelhas” passivas para serem “protagonistas” de sua própria história o laicato está dando à Igreja uma nova conotação. Inclusive “redesenhando” a vocação ministerial do sacerdote no sentido desse ser mais povo, estar mais atendo as necessidades, estabelecendo com o laicato novas formas de relações que não seja somente de um clero com cheiro de sacristia, clericalizando o leigo e a leiga.

            O que o documento em sua novidade vem dizer é que, os leigos e leigas são força vital na Igreja e para o mundo. Junto com o povo do clero, dos religiosos, a vida leiga é um dom de Deus no meio do povo dos batizados cristãos.

            E para os leigos e leigas que ainda não despertaram para esta nova realidade eclesial está na hora de despertar e assumir a vocação do laicato, que no Evangelho ressoa aos nossos ouvidos Jesus dizer: “Vós sois o sal da terra, vós sois a luz do mundo! ” (Mt 5,13-14).

Provocando! Pensando! Dialogando…

  1. Como se deu o desperta de sua vocação leiga?
  2. O que você entende por “clericalização” dos leigos/as?
  3. Quais os desafios pastorais que seu grupo enfrenta como leigo/a?
  4. Quais os principais “pontos” lhe chamou atenção nesse artigo? Por que?
  5. Quais as “alegrias” experimentadas como leigo/a você já vivenciou?
  6. Qual a “fonte” da identidade, dignidade e vocação do laicato? E quais as suas consequências?

 

Bibliografia consultada

Cristãos Leigos e Leigas na Igreja e na Sociedade – sal da terra e lua do mundo (Mt 5,13-14). Documento da CNBB 105. São Paulo, Edições CNBB, 2016.

Leigos e participação na igreja. Estudos da CNBB 45. São Paulo, Paulinas,1986.

Os leigos na igreja e no mundo. Estudos da CNBB 47. São Paulo, Paulinas,1987.

Comblin, José: Cristãos rumo ao século XXI – nova caminhada de libertação. S. Paulo, Paulus, 1996.

Comblin, Jose: O povo de Deus. São Paulo, Paulus,2002.

Blank, Renold. Ovelha ou protagonista? A Igreja e a nova autonomia do laicato no século 21. São Paulo, Paulus 2006.

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