Quaresma

Por: Sebastião Catequista.

Quais as motivações que estão por trás da Quaresma? O que significa os gestos da oração, jejum e esmola? Quais as suas motivações e benefícios? Quem está "obrigado" a cumprir a quaresma e por que? Se você se identificou com essas questões esse artigo certamente é para você e seu grupo. Confira. Compartilhe e deixe seu comentário.

Voltem para mim […] rasgai o vosso coração […] o Senhor vosso Deus é bom, compassivo, paciente, cheio de misericórdia […]” é o apelo que vem da voz do profeta Joel 2,12-18 relido por nós de tradição cristã católica romana para esse tempo conhecido como quaresma.

Quaresma é um curto período de preparação para a páscoa do Senhor. São 40 dias de exercícios vivenciados através de três gestos simples mas de poderosa eficiência: a oração, o jejum e a esmola. Parte do individual para o coletivo e do coletivo para o individual e juntos para a realidade transcendente. É aqui que encontramos as motivações quaresmal: a vida, paixão, morte e ressurreição do Senhor. Falando de outro modo: quaresma é o exercício pelo qual nos preparamos para celebrar a páscoa do Senhor.

E quem está “obrigado” a vivenciar a quaresma? Toda pessoal batizada e toda comunidade cristã que assume sua aliança batismal com o projeto de Deus em Jesus. O mundo não está obrigado a vivenciar nossa páscoa, nem tão pouco pessoas que não assumiram ou dão testemunho do Senhor. A páscoa é um imperativo cristão. Porém, isso não exclui as pessoas de boa vontade de vivenciar conosco essa experiência de fé.

E como vivenciamos esse momento de preparação quaresmal?

A quaresma é uma grande proposta litúrgica de conversão que nos coloca em disposição para bem celebrar a páscoa. E essa conversão acontece pela tríade oração-jejum-esmola.

A oração nos coloca em primeiro lugar nós mesmos diante de nós mesmos. Aí cada um se ver diante de sí e diante de Deus pela oração pessoal e coletiva. E diante da realidade em que está inserido nesse mundo. É uma oração de escuta da Palavra, de penitência no sentido de se reconhecer frágil, pecadora e aberta à graça de Deus e de enxergar a realidade diante dos seus olhos. Ao mesmo tempo essa oração é uma oração de pedido por si e interseção pelos outros. Mas não é uma oração “piedosa”, “egoísta” “individualista” mas sim uma oração solidária, que nos leva a tomar consciência e nos comprometer com Deus e seu projeto de vida através da pessoa do irmão, da irmã e da comunidade. E essa oração naturalmente nos leva para o próximo exercício quaresmal: o jejum.

O jejum é encarado e entendido como ‘deixar de tomar alimentos’ ou diminuir sua quantidade. Tem haver com uma educação alimentar? Não. O jejum tem haver com a necessidade do outro. Tem haver com ‘sentir na pele’ a necessidade do irmão, da irmã. É disso que trata o jejum. Ao jejuar o cristão está fazendo a experiencia de se colocar na pele do outro e sentir sua fragilidade que começa pelo mais básico dos básicos: a alimentação. Ela é sinônimo de vida, de saúde, de resistência, de força para lutar, de sobrevivência.

Com o jejum aprendemos a lição da solidariedade. Evidentemente que segundo a ciência nas suas mais variadas formas como a saúde, a psicologia, a biologia em seus estudos comprovam os benefícios práticos do jejum para nossa saúde física, mental e espiritual, entretanto, ao vivenciar esse exercício como treinamento e conversão quaresmal, o que está em jogo é algo bem mais profundo na leitura bíblico teológica e espiritual: se trata de se preparar para a páscoa do Senhor. É questão de fé. Não é questão de ciência e “saúde”. Entende?

Ao jejuar nós o fazemos por questão de fé, e a fé encarnada na vida, na realidade concreta, no mundo que estamos inseridos. É claro que ao jejuar não vamos mudar o mundo e nem tão pouco acabar com a fome é verdade, mas certamente nos abrirá a consciência para o sofrimento alheio, de modo mais incisivo por esse tempo, e isso nos colocará a meio passo do próximo exercício quaresmal: a esmola.

A esmola tem um ‘tom pejorativo’ muito negativo na cultura brasileira. Em linguagem bíblica cristã significa solidariedade com outro, com o necessitado. Não se trata de “dar algo e você se vire pra lá que o problema é seu”, isso não. Dar esmola em linguagem de hoje é a mesma coisa que dizer: “fazer justiça”, “ser solidário” com ações de verdade, “ser fraterno” assumindo com outro suas dores e necessidades. Como ver, é algo mais profundo, sobretudo, se essa “esmola” é uma “ação coletiva” dos cristãos diante do sofrimento alheio. Nesse caso, “dar esmola” não é uma ação isolada, individualista, egoísta, mesquinha, para os outros verem como sou “bonzinho,cristão” e muito menos uma ação coletiva para engrandecer a comunidade, mas se trata, isto sim, de um ato de conversão pessoal e coletiva motivada e mediante a páscoa e seu significado para nós cristãos: dar a vida pelos irmãos e irmãs, sobretudo os mais pobres, vulneráveis, despossuídos de poder, de cidadania, a exemplo do nosso mestre Jesus. A páscoa é passagem da morte para a vida, do meu egoísmo e individualismo, da nossa miopia comunitária e falta de profetismo para a vida solidaria, partilhada, da luta pela qualidade de vida. Não foi isso afinal pelo que se entregou e morreu Jesus? Ele deu a sua vida para que todos tivessem vida.

Por isso que a cada ano realizamos a quaresma em vista da páscoa. E fazemos isso num período curto para justamente entrar no ritmo da vida que é dinâmica e a cada ano nos interpela com novas necessidades e realidades.

Daí entender a liturgia desse tempo. Nas leituras semanais e dominicais somos convidados a fazer a partir desses três gestos uma atualização da “memória do Senhor” em nosso meio ouvindo os seus apelos num processo de conversão contínua e permanente. Para nos ajudar nesse exercício a Igreja no Brasil a partir da cultura e da religiosidade popular tem vivenciado ano após ano três momentos orantes chaves além das missas e celebração da palavra: a via-sacra, os círculos bíblicos e a campanha da fraternidade que a cada ano aborda um tema da nossa realidade e propõe como ferramenta pedagógica de vivência dos três gestos desse tempo da quaresma: a oração, o jejum e a esmola.

Enfim, estamos na quaresma. Há um “ar diferente” “pairando no ar” de nossa consciência, de nossa fé: agir, celebrar, ofertar “… pra meu povo é dar a vida, a vida inteira oferecida…”.

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