Jesus: ciência, religião e fé

Jesus: ciência, religião e fé

Por: Sebastião Santana da Silva

(Sebastião Catequista)

Desde o século XIX quando as atuais ciências passaram a ter “know how” e poder de análises com métodos cada vez mais precisos, muitas personagens e o próprio texto bíblico foram “passados à limpos” no crivo olhar cientifico.

E assim aconteceu não porque os queria negar mas, porque queriam compreender a fundo seu significado e sentido para a sociedade moderna com sua “nova” configuração social, cultural e religiosa.

E esse trabalho cientifico na sua relação com a religião foi muito conflituoso. Sobretudo quando se tratou de Jesus. É claro que mexer com a personagem “Jesus” era mexer com sentimentos, crenças, culturas, costumes, doutrinas, dogmas… e do ponto de vista religioso e cristão isso não sairia “barato”. Foi motivo de muitas “dores de cabeça”, conflitos e perseguições de ambos os lados. Não deu outra. O século XIX até meados do século XX a religião e ciência andaram se estranhando. E foi uma luta, viu!

E até hoje no ensino médio ou mesmo no mundo acadêmico, alunos e professores, se estranham quando o assunto é olhar o sagrado a partir da “desmistificação” cientifica. Para os alunos mais “religiosos” isto é interpretado como “profanação” da ciência sobre a religião. E imagine você quando o professor tem lá seus “problemas” com a religião por algum motivo qualquer. Pense nos conflitos! Certamente você já viu ou conhece algum episódio dessa natureza. Sim?! São resquícios de um passado bem distante que ainda mantém sua influência sobre muitos modernos.

Atualmente pelo menos entre ciência e religião nas instâncias representativas as coisas “estão mais calmas” e muito conflitos foram superados. O tempo ajudou a ambos os lados a rever suas posições, baixar arestas, usar do bom senso. A religião de certo modo aprendeu a escutar mais e olhar a ciência com mais credibilidade, com sensibilidade e com a razão; e por sua vez, a ciência foi mais humilde, sensível, compreensível à fé e aos saberes milenar da religião. Ambas perceberam que falam de campos distintos sobre as mesmas coisas e nesse caso, o “conhecimento” de ambas, as enriquecem mutuamente. Quando se trata do campo do “sagrado” religião e ciência não são opostas e contrárias, apenas cada uma tem seu “campo” de saberes, de olhares, de sentido diferente. Uma não quer se impor a outra como a única dona da verdade, e vice-versa. Para chegar a essa compreensão se levou anos, décadas. Aprenderam a se respeitar mutuamente. Em alguns pontos há consenso, em outros a liberdade de expressão e pesquisa, e, em outros, de ambas as partes, observação, reconhecendo cada uma seus limites.

Mas, e Jesus? Bem, é senso comum sua real existência. Ele é real, existiu. Existe. Ainda que não haja comprovadamente nenhum documento assinado por ele. Nem uma linha “extrabíblica” sequer. Há um completo e absoluto silêncio.

Mas há algum escrito contemporâneo à sua época? Sim! Autores da época como o judeu Flávio Josefo, ou os romanos Plínio Jovem, Tácito e Suetônio, entre outros, escreveram alguma coisa sobre grupos de pessoas que seguiam Jesus. Não é um dado que aponta diretamente para Jesus mas, se chega à ele indiretamente. O fato é que esses “documentos” foram analisados pelo mundo cientifico deixando muitas dúvidas e nenhum consenso.

De fato, Jesus é como um daqueles “despercebido” “inexistente” para o sistema, um “Zé” que nem vale apena “perder tempo” registrando algo. Ele por sua vida e atuação ao contrário do que diz os livros dos Evangelhos não chamou atenção dos “grandes”, dos que “mandavam” e fazem a história, o império. Falando do ponto de vista extra cristão. E aqui vale lembrar aquela ideia que alguém diz por ai: “a história é sempre “contada” [preservada, registrada] a partir dos grandes, dos que decidem, dos que mandam, dos que tem poder, dos heróis, e nunca dos pequenos, dos perdidos, dos insignificantes, dos despossuídos de poder…” É o que aconteceu com Jesus. Sua existência foi tão “singela” tão “escondida” nos “porões da humanidade” que nem os que “fazem a história” o notaram como algo importante, exceto pelo que aconteceu depois com seus discípulos/as, como já o frisamos. Os anos de vida que viveu com o “Zé povinho” da Galileia, com os “ninguém” da periferia do império, foi o suficiente para deixar impregnado na vida deles um “caráter indelével” que mexeu com o sentido de suas vidas. Que mexeu com seu cotidiano e os fez protagonistas dos eventos que se sucederam depois. E esses eventos são a prova cabal não só de sua existência mas também, da origem do seu movimento e sua influência no que se sucederam nos séculos e milênios subsequentes.

E os livros dos Evangelhos? São o testemunho por escrito dessa jornada e dessa experiência deixado pelos discípulos que conviveram com ele, e os discípulos dos discípulos. São uma releitura a partir da fé, a partir do significado e sentido que o Nazareno tomou para suas vidas. São a “memória viva” dos “pequenos”, dos que estão e caminham à margem da história oficial dos grandes. Eles contém as “narrativas” de suas “experiências” e “releituras” de fé.

É claro que não temos “acesso” ao Jesus terrenal, histórico, que tinham um ritmo diário de vida, que tinha uma estatura, um jeito típico de falar, de se vestir, de se postar, der “ler” os fatos cotidianos no século I d.C, ao seu redor. Esse Jesus, o “Jesus histórico”, teve seu tempo no espaço/tempo dentro das leis natural da existência. É “impossível” ter acesso à ele.

Por outro lado, esse Jesus histórico que é o mesmo “Jesus da fé” – expressão utilizada nos meios acadêmicos para se referir ao Senhor vivo e ressuscitado – podemos ter acesso a Ele através da fé praticada pelos crentes seus seguidores. É o que nos testemunha os livros dos Evangelhos: Jesus se identificava com os pequenos, os excluídos, os “ninguém” da vida, os doentes (cf. Mt 25, 31-46) e com os seus discípulos (cf. Mt 10, 40). Através deles temos acesso a Jesus.

Esse acesso a Jesus constitui um mistério de fé. Não cabe na lógica religiosa e muito menos científica. Não sabemos os “por quês” mas, a partir da “fé”, compreendemos que isso faça parte dos mistérios de Deus. Está além da sensibilidade científica ou do que a religião possa explicar. Contudo se pode “ver” os efeitos dessa sua “presença”, dessa identificação com pequenos e excluídos, conforme sua capacidade de atuação. É o que se verifica nos muitos “movimentos dos pobres” ao longo da história das sociedades. Algo que a própria ciência pode verificar.

“Jesus da fé” ou o “Cristo da fé” para diferenciar do “Jesus histórico”, terreno, que viveu na Galileia do século I d.C. são terminologias do linguajar cientifico e acadêmico que para um crente moderno não significa nada, não lhes diz nada, porque, em sua compreensão, Jesus é o mesmo antes e depois da sua morte e ressurreição. Não fazem distinção. No entanto, para o mundo acadêmico científico e religioso esses termos descrevem dois momentos distintos importantes da história, e da personalidade Jesus. Tem seu “valor” para o mundo cientifico acadêmico e para a religião. Aliás, sobre esse pôr menor, você poderia pesquisar um bom livro de Teologia. Ajuda muito a compreender essa trajetória do “mistério” Jesus e a se encantar cada vez mais por Ele e sua Mensagem.

Por fim, Jesus será sempre motivo de “estudos e investigação” porque é algo que está incrustado na história humana e na existência.

Para termos acesso à ele será sempre por uma “fonte segunda” no atual contexto da história, fonte essa que seja “captável” pelos “sentidos” e compreendido pela “razão” como tal. E esse acesso será sempre no nível dos “Sentidos” enquanto “significante” e da “Razão” enquanto “significado”. E para “traduzir” essa “leitura” de forma “correta” isto é, conforme aqueles “pressupostos” (orientações) que fé e razão entendem como sendo a entidade Jesus, é preciso dispor da “evangelização e catequese” dizendo em linguagem religiosa; ou do “discurso” [dialética] “acadêmico” o mais plausível possível dizendo em linguagem cientifica. Pois, ambas estando em “campos” diferentes do “saber” não são antagônicas e nem justapostas. Daí a importância das ciências e da religião no estudo da fé e dos textos sagrados hoje.

E mais… em se tratando de um testemunho de fé, sobretudo de um cristianismo missionário em relação com o seu Senhor, comprometido com sua mensagem e ação no mundo, tudo isso é importante, mas não “o divisor de águas”, no tocante a missão, evangelização e catequese, porque sua fé e sua relação em último caso, passa pela ação do Espírito Santo. E nesse caso fé [religião] e razão [ciência] constitui apenas instrumentos, óculos (lentes) que usamos para olhar e compreender melhor para dar testemunho, sabendo que tais instrumentos serão sempre limitado.

Para quem vai ler e estudar os textos sagrados saber dessas coisas é importante, e mais ainda para os catequistas que no dia a dia lhe dá com o ensino da fé e com as perguntas do povo.

Sugestão de leitura (bibliografia)

– Barbaglio. Giuseppe. Jesus, hebreu da Galileia – pesquisa histórica. São Paulo: Paulinas, 2011.

– Theissen, Merz. Gerd. Annette. O Jesus histórico – um manual. São Paulo: Edições Loyola, 2002.

– Pagola. José Antonio. Jesus: aproximação histórica. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2014

– Aslan. Reza. Zelota. A vida e a época de Jesus de Nazaré. Rio de Janeiro, RJ: Zahar, 2013.

– Latourelle. René. Jesus existiu? História e Hermenêutica. São Paulo: Santuário, 1989.

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