Evangelho de São Mateus

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Por: Narciso Neves de Farias, teólogo e biblista*

Autor, Obra, data, Comunidades

O texto foi escrito entre os anos 70-90. Segundo R. A. Monasterio, os evangelhos  são escritos anônimos que foram reunidos no início do II século. O título (kata) segundo  o evangelista Mateus vem da época em que os escritos foram reunidos, pois, inicialmente, os autores não deram nenhum título (p. 17, 2006).  O trabalho de transcrição e tradução do texto teve continuidade pelos séculos, dentro de um processo complexo de transmissão da tradição, chegando-se no século XVI a se deparar com cerca de 250 códices (o códice Vaticano foi transcrito no século IV) em escrita maiúscula e 2.646 em escrita minúscula (Fabris, p. 24, 1990).

O autor do Evangelho recolheu a tradição oral que encontrou em torno de Jesus e a ordenou de acordo com sua visão teológica, a partir da experiência de Jesus de Nazaré e como responder às necessidades da comunidade. (Observar Mt 19,9 e Mc 10,11-12 sobre o divórcio. Mateus recolhe o texto de Marcos e o reescreve de forma semita: “o homem abandonar a mulher”) Segundo M. Ghisleni, todo documento é fruto de uma montagem. Ele é uma construção que pertence a uma sociedade que o produziu em determinada época e que continuou a ser reinterpretado sucessivamente em períodos subsequentes (2005, p. 217), num esforço incessante de dar sentido ao existir humano. Tema de fundamental importância para P. Ricoeur. Para ele, o processo de interpretação deve acompanhar essa busca de sentido em todas as obras escritas, porque elas são o testemunho do ato criativo do ser humano no seu desejo de existir (2006, p. 19-23).

            Portanto, segundo os dados acima colhidos, não há uma identificação no próprio texto do Evangelho com o autor Mateus.  Foram os padres da Igreja que defenderam a autoria do Evangelho segundo Mateus. Pápias (130) identificou como sendo o Evangelho de Mateus, o apóstolo do Senhor. Foi ele quem escreveu os comentários em hebraico sobre as palavras de Jesus (logia). Irineu (180) defende que Mateus produziu seu evangelho entre os hebreus. Orígenes argumenta que Mateus é o autor do evangelho que traz o seu nome. Eusébio de Cesáreia, por sua vez, escreve sobre Mateus como autor do primeiro Evangelho. Santo Agostinho entendeu ser o evangelho de Mateus o mais antigo.

Mas, segundo a teoria das duas fontes, atualmente incontestável, Mateus fez uso do escrito de Marcos como fonte e também da Quelle (MONASTERIO, p. 65, 2006).  Desse modo, se Mateus tem por base o evangelho de Marcos, isso significa que é improvável que Mateus, na condição de testemunha ocular da prática de Jesus, precisasse tomar informações de outra fonte, especificamente de Marcos, que sequer esteve com Jesus.  Nesse sentido, quem escreveu o evangelho de Mateus não tinha conhecimento dos fatos. Usou o evangelho de Marcos e outra fonte (Quelle) e desenvolveu seus objetivos teológicos. A tradição de Mateus como autor do evangelho foi criada pelos pais da Igreja. Eles defenderam essa tradição e a ensinaram como forma de salvar a Igreja nascente e manter sua existência, sob pena de sucumbir diante das forças oposicionistas da época (gnósticos, judaísmo formativo…)

            No entanto, o magistério da Igreja católica, através da Pontifícia Comissão Bíblica, assim se manifesta sobre os evangelhos:

A Santa mãe Igreja com firmeza e máxima constância sustentou e sustenta que os quatro mencionados evangelhos, cuja historicidade afirma sem hesitação, transmitem fielmente aquilo que Jesus Filho de Deus, ao viver entre os homens, realmente fez e ensinou para a eterna salvação deles, até o dia em que foi elevado (At 1,1-2). Os apóstolos, após a ascensão do Senhor, transmitiram aos ouvintes aquilo que ele dissera e fizera, com a mais plena compreensão de que gozavam, instruídos que foram pelos gloriosos acontecimentos de Cristo e esclarecidos pela luz do Espírito da verdade. Os autores sagrados escreveram os quatro evangelhos, escolhendo certas coisas das muitas transmitidas oralmente ou por escrito, fazendo síntese de outras e explorando-as com vistas à situação das igrejas, conservando, enfim, a forma de proclamação, sempre de maneira a referir-nos a respeito de Jesus com verdade e sinceridade. Pois os escreveram, seja com fundamento na própria memória e recordações, seja baseados no testemunho daqueles ‘que desde o começo foram testemunhas oculares e ministros da palavra’: com a intenção de que conheçamos ‘a verdade’ daquelas com que fomos instruídos (DV 19)

É a palavra do magistério da Igreja. Segue a tradição dos pais da Igreja…  A reflexão a seguir não quer polemizar. A experiência do encontro com o ressuscitado é a base…

A Comunidade de Mateus – Antioquia: Província Romana da Síria

  • Formada de judeus-cristãos helenistas – em torno do núcleo: Jesus de Nazaré é o Cristo, que foi Ressuscitado Por Deus. É deste testemunho de fé experimentado e anunciado pelos primeiros cristãos que se reconhece em Jesus de Nazaré o Salvador (Fabris, p. 17, 1990).
  • O Texto: Os originais foram escritos em GREGO (Fabris, p. 23, 1990) e utiliza  o 1º Testamento na VERSÃO  LXX,  num ambiente de tradição cultural judaica-helenista, quando grupos de cristãos fizeram a tradução cultural da atividade de Jesus, dos seus gestos e palavras, em pequenas unidades formadas de breves sentenças sobre um determinado tema.  Jeremias, na sua obra Teologia do Novo Testamento, informa que as palavras de Jesus pertencentes à família linguística aramaica, foram transmitidas por escrito em grego semitizante da koiné.(16, 1977)., na segunda metade do I século, e  traduzidas e difundidas em face da expansão das primeiras comunidades cristãs. Os fragmentos de papiro dos evangelhos são do início do II século., bem como do III século.. Os manuscritos em pergaminho (códices) são dos séculos IV e V. As traduções dos textos originais em várias línguas são dos séculos II até VI.
  • O Texto se insere na polêmica com o Judaísmo: Quem é o verdadeiro Povo De Deus?
  • Problemas internos: Falsos  Profetas  (7,15-23)
  • Alguns escandalizam os mais fracos da Comunidade (18,6.10.12-14)
  • Uma Comunidade de característica Urbana (23,8-10; 15-20)
  • É uma comunidade que já se considera Igreja (18, 17) e de matriz judaica: Quando se refere ao reino fala de reino dos céus (Mc e Lc falam de reino de Deus).

Características do Texto

  • O Evangelho de Mateus é um texto de Catequese …
  • A partir de Marcos e Q, responder às questões de suas comunidades, em um contexto histórico de crise, na época do judaísmo formativo, após a catástrofe judaica (66-70)
  • Nesse período havia grande disputa entre os membros do “judaísmo formativo” e os judeus cristãos. O capítulo 23 de Mateus mostra o ponto alto desse conflito onde se encontram as condenações contra os escribas e fariseus.

Para isso, Mateus (autor) desenvolve seu projeto narrativo em torno de um esquema que focalizasse os temas principais:

  • O Messias e a observância da lei. Jesus é o Messias e as comunidades o novo Israel como continuidade das escrituras.
  • Jesus é o novo Moisés, conforme Mt 2,13-23
  • Jesus é o verdadeiro mestre da Lei (23,8) e está conosco (1,23; 18,20; 28,20)
  • Jesus é principalmente o MESTRE da JUSTIÇA (9,11;17,24;19,16;23,8; 26,18)
  • Cumprir a JUSTIÇA: 3,15; 5,6; (sede de justiça é de Mateus. (A fonte Q e Lc 6,21 falam de fome),
  • Mt 5,10; 5,20; 5,48 – sede perfeitos; 6,1; 6,33 – buscai o reino (Q) Mateus acrescenta: e sua justiça (ver Lc 12,31); 20,1-16; 21,32; 23,23.

Jesus é o verdadeiro intérprete da Lei

  • Mateus (autor) insiste em mostrar Jesus como o Mestre da Lei (12,1-8)
  • Ele tem por referência a prática da misericórdia (Os 6,6), para que se cumpra toda a Justiça;
  • Assim, a prática da Justiça fundamenta-se na misericórdia como critério para o julgamento: conhecê-la é produzir frutos (7,15-20)

Igreja – comunidades: novo povo

  • Para Mateus (autor) a Igreja – comunidades – é o novo povo de Deus – novo Israel.
  • Escolhe 12 discípulos (12 tribos de Israel)
  • Alguns fariseus recusavam participar da comunidade com não-judeus e aceitar Jesus como o Messias
  • Porém, as comunidades de Mateus asseguram o acolhimento de Judeus e pagãos (ver a parábola do joio e do trigo 13,24-30. 36-43)

A organização das comunidades

  • Mateus (autor) fala da organização das comunidades para enfrentar os desafios vindos dos escribas e fariseus.
  • Às vezes era preciso expulsar quem se recusava à prática da fraternidade (18,15-22), não obstante proclamar o amor e o perdão
  • Dessa organização a Igreja tirou as bases para os sacramentos: Iniciação – Batismo – (28,19) // a ceia do Senhor – (14,19; 15,36; 26,26-29) // reconciliação – perdão (9,6; 18,18)
  • Apesar das ameaças, divergências e conflitos, as comunidades de Mateus não se fecham … O anúncio do Reino não tem limites (24,14; Gn 12,3 – ver 1,1; 28,18-20)

Juízo Final – julgamento

  • Jesus veio cumprir toda Justiça. Nela estão reunidos a lei e os profetas.
  • A lei que Jesus se refere não tem força de realizar a vontade do Pai, pois o essencial da lei é a prática da justiça e da misericórdia (23,23)
  • 5 exemplos aos membros das comunidades para ultrapassar a justiça dos fariseus (5,20).
  • Não mate – (5,21-26; Ex 20,13; Dt 5,17) …
  • Não cometer adultério (5,27-32; Ex 2,14 – Eliminar privilégios de gênero …
  • Não jurar falso (5, 33-37) Convivência… Relações de reciprocidade.
  • Olho por olho, dente por dente… (5, 38-42; Ex 21,24) Visava limitar os excessos de vingança… Jesus proclama o mandamento do perdão. Os fariseus interpretavam a lei como vingança, porque estava escrito… Mas Lv 19,18 – informa não exercer a vingança…
  • Outra prática (5,43-48; 25,12. 31-46). Amar o inimigo para superar conflitos, cujo critério é a solidariedade…

Estrutura do evangelho de Mateus.

Introdução:  1,1—2, 23 – Jesus na história do povo de Deus (1,1-17) . Um novo começo

                      Novo êxodo (1,18-2,23) – O Messias.

                       A JUSTIÇA DO REINO

1° livro:  3,1-7,29   –  narrativa:  3,1—4, 25 –  O Reino chega na prática de Jesus;

                                   Discurso: 5,1–7, 29 – O sermão da montanha (como entrar no Reino?)

                                   UMA JUSTIÇA QUE LIBERTA E SALVA

2º livro:   8,1-10,42  – narrativa:   8,1–9,38  –  Os milagres – sinais da presença do Reino

                                   discurso:    10,1-42   –  A missão é anunciar o reino

                                   A PRÁTICA DA JUSTIÇA PROVOCA CONFLITOS

3º livro: 11,1-13,52    narrativa:   11,1–12,50  –  Reações contra a prática de Jesus;

                                   discurso:    13,1-52     –  Parábolas do Reino

                                   O SEGUIMENTO A JESUS:  NOVO POVO DE DEUS

4º livro:13,53-18,34 narrativa:   13,53–17,27 – Seguir  a Jesus  – o Mestre da Justiça;

                                    discurso:  18,1-35   –  Viver a proposta do Reino em comunidade;

                                    A VINDA DO REINO …

5º livro: 19,1-25,46   narrativa:  19,1–23,39 – O Reino é para todos…

                                   discurso:   24,1—25,46 –  A vigilância. A vinda do Filho do Homem é agora;

Conclusão:     26,1-28,20 Morte e Vida –  no processo dialético da vida.

Chaves de leitura

  1. Jesus é o Messias esperado
  • 1,1-17 – filho de Abraão – Messias dos excluídos. Memória da época tribal…
  • 1,18-25 – Filho de Deus (Maria = dispor-se no caminho)
  • 2, 1-12 – Luz das nações. São acolhidos os que vem de longe…
  • 2,13-15 – Novo Israel
  • 2,16-18 – morte das crianças
  • 2,19-23 – do Egito a Nazaré – Novo Moisés
  • Para Mateus José é o símbolo do verdadeiro Judeu – aceita Maria na Casa X Templo
  1. Jerusalém agora é apenas trevas. A morte vem do palácio, da Sinagoga. Eles (vós) conhecem as escrituras, mas não as compreendem;
  2. O menino é o novo que irrompe na história, pelo Espírito Santo – na casa onde está a estrela… O templo já não existe.

Referências

BARBAGLIO, G. FABRIS, R. e MAGGIONI, B. Os Evangelhos (I).  São Paulo: Loyola, 1990.

GHISLENI, M. Sociologia histórica e cultura material. In: MELUCCI, Alberto (Org.). Por uma sociologia reflexiva: pesquisa qualitativa e cultura. Petrópolis: Vozes, 2005.

JEREMIAS, J. Teologia do Novo testamento. São Paulo: Paulinas, 1977.

LOPES, G. Dei Verbum: Texto e comentário. São Paulo: Paulinas, 2012.

MONASTERIO, Rafael A. e CARMONA, Antonio R. Evangelhos Sinóticos e Atos dos Apóstolos. São Paulo: Ave Maria, 2006.

RICOEUR, P. A hermenêutica bíblica. São Paulo: Loyola, 2006.

______.A memória, a história, o esquecimento. Campinas: Editora Unicamp, 2010.

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* Narciso é teólogo e biblista, membro do Cebi e colaborador deste Site. Tem forte atuação na Diocese de Caruaru e região.

2 Comentários

  1. Boa noite gostaria se possível receber uma tradução do Evangelho de São Mateus todos os capitulos.

    Desde já meus agradecimentos.

    José Luiz.

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